Precisamos falar sobre: Brooklyn Nine-Nine

"Esse é o nome do seu filme pornô"
Brooklyn Nine-Nine é uma das séries que sempre apareceram como indicação no catálogo do Netflix e nunca dei atenção para ela. Semana passada, mudei de ideia e resolvi dar uma chance e ver no que dava, por se tratar de uma série policial, pensei que seria mais do mesmo, só acrescentando o humor. Mas, há um tema por trás dessa série que percebi com o decorrer dos episódios e gostaria de discutir hoje: a desconstrução da masculinidade tóxica.

A série companha um grupo de detetives da delegacia 99 do Brooklyn. Logo no primeiro episódio, essa delegacia recebe um novo capitão, Capitão Reymond Holt (Andre Braugher), que vai colocar ordem na bagunça que a delegacia é e fazê-la funcionar. Temos ainda os detetives principais da trama: Jake Peralta (Andy Samberg), o protagonista e o brincalhão; Rosa Diaz (Stephanie Beatriz), a detetive durona e quase sem sentimentos; Amy Santiago (Melissa Fumero), a certinha e controladora; Charles Boyle (Joe Lo Truglio), o estranho e careta; Terry Jeffords (Terry Crews), o bombado e sentimental; Gina Linetti, a única que não é detetive, mas tem contribui muito mais para as investigações que outros, sendo a sincera e tô-nem-aí; e os detetives Hitchcock e Scully, que são basicamente a mesma pessoa em corpos diferentes, nojentos e preguiçosos.


Antes de entrar no tema masculinidade tóxica, gostaria de parabenizar a série pela a escolha representativa para os papeis de Amy Santiago e Rosa Diaz. A primeira é descrita como filha de cubanos nascida nos Estados Unidos, e a atriz Melissa Fumero, realmente é filha de cubanos nascida nos Estados Unidos, já Rosa é argentina, o que também acontece com Stephanie Beatriz.


Voltando ao tema, para os que não sabem o que significa o termo Masculinidade Tóxica, ele representa atos, costumes, falas e padrões de comportamento que o sistema patriarcal obriga homens a realizar para que sejam realmente considerados masculinos, o que acaba prejudicando a vida de alguns homens. Provando que o machismo não afeta apenas as mulheres, mas os homens também. Por exemplo, recentemente, o cantor Shawn Mendes, em entrevista a revista Rolling Stone, disse que sente muitas vezes sente a necessidade de ter uma namorada ou mesmo que seja uma mulher do seu lado para reafirmar que é hétero e masculino, entretanto, ele compreende o quanto isso é errado e ruim de se pensar.

A masculinidade tóxica vai muito além de apenas a necessidade de ter uma mulher do seu lado. Essas ações podem ser de um extremo ao outro, como mais alto grau, podemos ter um homem que chega a matar uma mulher para se reafirmar como homem, até achar que falar de sentimentos com outras pessoas, independente do sexo, vai afetar sua masculinidade.

Esses comportamentos que foram impostos aos homens vêm sendo quebrados ao longo dos tempos, mas ainda é algo excessivamente forte. Quem nunca ouviu um metrossexual ser chamado de gay apenas pelo seu estilo de vida? Por que cantores e banda como NX Zero, Fresno, Justin Bieber e até o próprio Shawn Mendes que cantam músicas mais emotivas e românticas tem que estar sempre com uma companheira do lado para se reafirmarem héteros?

A televisão também ajuda a construir esse estereótipo de “homem homem”, Terry Crews, inclusive, faz a famosa propagando do desodorante Old Spice, que tem como um dos slogans “O desodorante do homem homem”. Felizmente, séries como Brooklyn Nine-Nine está indo na contramão desse movimento.


Na série, vemos vários homens com comportamentos que nada se espelham em um comportamento tóxico de masculinidade. Para facilitar, irei comentar um por um dos personagens masculinos.

1. CAPITÃO REYMOND HOLT


O capitão do grupo já é uma quebra total de paradigmas para uma pessoa que está na sua função, simplesmente por dois fatores: negro e gay. Desde os primeiros episódios, Holt se impõe e não esconde que é gay, deixando explicito para os membros de sua equipe sua sexualidade e relata o quão difícil foi pra ele chegar aquela posição, foram anos e anos de preconceito e discriminação, inicial por ser negro e depois por ser gay.

Inclusive, em um dos episódios é revelado que seu marido, Kevin Cozner odeia pessoas ligadas a polícia, fazendo os detetives buscarem o motivo, descobrindo que ele tem aversão aos policiais por tudo que eles fizeram Holt passar e ter sofrido junto do marido. Isso faz a corporação mostrar para o casal que nem todos são assim. (Em um episódio da 5 temporada, Jake chega a pedir para que eles se tornem seus pais após evitar uma briga entre eles)

Como homem gay, Holt não é exposto com um estereótipo de gay diva que as séries de comédia estão acostumadas a representar. Ele é uma pessoa extremamente contida e não sabe expressar muito bem os sentimentos, se tornando uma pessoa altamente calculista. E se engana quem pensa que isso aconteceu por ser gay. Descobrimos que esse comportamento é reflexo da mãe dele, que age do mesmo modo que filho (“Prometo que a partir de hoje tentarei demonstrar meus sentimentos mais 25%”).

2. SARGENTO TERRY JEFFORDS


O segundo na hierarquia da equipe, Terry também é negro. Todos devem conhecer Terry Crews pelos seus excelentes papeis em Todo Mundo Odeia o Chris e As Branquelas, sabendo que o ator é um homem extremamente sarado, sendo consagrado pela sua dança com os peitos.

O Sargento Terry é basicamente o Terry da vida real, um homem extremamente sarado que faz seus peitos dançarem. Entretanto, há uma coisa que diferencia seu personagem do seu estereótipo, ele é excessivamente sentimental.

Logo no primeiro episódio descobrimos que Terry está apenas fazendo serviço administrativo por estar passando por estresse pós-traumático. Com o nascimento de suas filhas, o sargento passa a se questionar a todo momento quem cuidará de suas filhas se ele morrer. Isso acaba o tornando medroso para algumas situações.

O carinho que o personagem demonstra por sua família e amigos não é algo que costumamos ver dentro do conceito de masculinidade. Além disso, o modo como ele faz isso é essencial para a trama.

O personagem também foge do padrão ao se preocupar sempre com seu corpo e aparecia, sendo um metrossexual de primeira, mas sem deixar que isso suba a sua cabeça, e sem segundas intenções.

Assim, temos Terry Jeffords, um homem com músculos e sentimentos de sobra por todos ao seu redor, sem medo de expressar o que sente.

3. CHARLES BOYLE


Charles é, provavelmente, o que mais foge da masculinidade tóxica. Boyle tem uma séria fixação por Jake, o chamando sempre de melhor amigo e não deixando que ninguém assuma esse cargo para ele. O seu maior medo durante a série é justamente perder Jake, ou por motivo de morte ou para outra pessoa.

O detetive também tem como hobbe a gastronomia. Com um paladar muito apurado, ele conhece diversos sabores e adora fazer misturas para agradar todos ao seu redor. Apesar de a maioria dos chefes de cozinha no mundo serem homens, a cozinha caseira ainda é tida como algo feminino, e é justamente esse tipo de culinária que Boyle gosta, e ele não se deixa abater por isso.

Boyle adora demonstrar seus sentimentos, não são poucos os casos que vemos ele abraçar algum do companheiro de departamento e querer agradá-los. Sem contar que, assim como todos os Boyle, ele adora dizer eu te amo, principalmente para Jake.

Apesar dessa fixação por Jake, o amigo não demonstra nenhum interesse romântico por ele. No decorrer da série, descobrimos que Charles planeja um suposto casamento de Jake e Amy há mais de oito anos, sendo que os mesmos só se conhecem há seis anos.


Um lado de Charles que não reflete a masculinidade tóxica está em sua relação com Rosa e Gina. Na primeira temporada, temos um Charles apaixonado por Rosa e que após receber um fora ver que está tudo bem, se tornando um dos melhores amigos dela. Já com Gina, Boyle tem uma espécie de amizade colorida e após eles pararem ele apenas brinca com a situação, pois após isso, os dois se tornam meios-irmãos. Isso só demonstra que ele realmente tem um grande respeito pelas mulheres com quem ele se relacionou (isso inclui morar em um puxadinho de aluguel na casa do atual marido de sua ex-esposa, que é seu advogado, sempre tentar ter uma relação legal com a ex e ela o ameaçar várias vezes).

Na quarta temporada, Charles começa a dedicar mais de sua vida a um filho recém-adotado com sua nova esposa, Nicolaj (-NICOLAJ!), um garoto que sofreu muito até conseguir uma família que o ame de verdade, chegando a ser vendido como escravo.

Boyle é um exemplo de amigo, pai e marido. Eu te amo, Charles! (referências)

4. JAKE PERALTA


Apesar do protagonista da série ser um homem cis hétero e branco, Jake Peralta não reflete em nada o que estamos acostumados ver. O detetive é um homem muito infantil, com piada infantis e bobas, mas que tem uma inteligência pericial acima do normal.

Jake foi negligenciado durante toda sua infância tanto pela mãe como pelo pai. Tendo como sua principal inspiração a franquia Duro de Matar (todos os episódios Jake vai falar sobre os filmes). Peralta simplesmente ama o que faz e não esconde isso de ninguém.

Ainda que ache estranho o comportamento de Charles com ele, não deixa que em nenhum momento o amigo se sinta rejeitado pelo seu excesso de carinho, também sendo carinhoso com Boyle.

Além disso, Jake também demonstra um grande respeito por suas companheiras de trabalho, sempre se importando com o bem-estar delas, mas sem segunda intenções.

Gostaria de expor dois momentos importantes para a construção desse personagem. A primeira é quando Jake conta para Amy que está apaixonado por ela, mas que compreende que ela está com outro, e que se coloca como opção para ela, mas que não deve ser uma coisa só dele e sim dos dois. O segundo é quando Jake vai se apresentar para pai de Amy como seu namorado. Jake tenta impressionar o Sr. Santiago, mas no final deixa claro, que Amy estar com ele ou não, não é por escolha deles ou não, é por causa dela.

Outro momento importante acontece quando Rosa está em meio a um tiroteio com vítimas e ninguém sabe notícia da mesma, e apesar de querer correr até ela e protege-la, ele tanta manter a calma e acalmar os outro que estão em ao seu redor, se jogando nos braços da amiga quando ela finalmente volta para a delegacia.

Jake também apoia em tudo o Amy deseja, por exemplo, quando ela deseja se tornar sargento e Peralta faz de tudo para que ela consiga o cargo, sem, em momento algum, se questionar sobre sua namorada estar um cargo acima do seu.

Peralta, apesar de ter uma dificuldade de lidar com os próprios sentimentos, quando ele descobre o que sente não tem medo de expressá-los. Isso inclui achar outros homens bonitos e não ter medo dizer isso em voz alta.

Peralta é o exemplo de homem hétero cis branco a ser seguido.

5. HITCHCOCK E SCULLY


Os dois são basicamente os únicos que ainda espelham um pouco a masculinidade tóxica, mas apenas em comentários sexuais. Apesar disso, Hitchcoke e Scully se amam incondicionalmente, colocando a amizade dos dois acima de seus relacionamentos com suas esposas.

Eles fazem tudo juntos, o que se resume em comer, dormir e assinar papeis. 


Os roteiristas da série também estão de parabéns. Apesar de ser uma série de comédia, piadas sexistas, homofóbicas e gordofóbicas não são apresentadas de forma cómica, quando qualquer personagem comete algum ato que entra nesses padrões, ele logo é repreendido em cena.

É aquele tipo de série que você assiste para descontrair, pois os episódios focam mais no dia-a-dia dos membros da delegacia do que nas missões em si, o que deixa tudo muito melhor. Além disso, como segue o padrão de sitcom, com cenários pequenos, poucas câmeras e risadas ao fundo, deixa tudo mais fácil de compreender, sem precisar de explicações de horas para entender o que está acontecendo.

Talvez seja por isso que a série já levou vários prêmios, incluindo um Globo de Ouro de Melhor Série de Televisão de Comédia e Musical em 2014 e um GLAAD (premiação criada para homenagear pessoas, séries, filmes e músicas que representem de modo fiel e justo a comunidade LGBT+) de Melhor Série de Comédia em 2018, e várias indicações todos os anos a Andre Braugher e Andy Samberg por suas atuações (Andy inclusive foi um dos apresentadores do Globo de Ouro desse ano)


A série voltará para sua 6º temporada ano que vem nos Estados Unidos. Na Netflix temos até a 4ª temporada e ela também é exibida pelo canal TBS na TV por assinatura. É uma diversão rápida já que os episódios só tem 20 minutos e que você, com certeza, vai adorar e amar as referências pop. Fique com essa cena em homenagem aos Backstreet Boys.





11 comentários:

  1. Que incrível!
    Não sou fã de séries policiais, mas essa me chama atenção por ter comédia e, principalmente, por essa desconstrução.
    Acho que é um assunto extremamente importante de ser falado; hoje já conseguimos mostrar o quanto o machismo acaba com a vida de nós, mulheres; mas não podemos esquecer que também afeta muitos homens.
    A série está de parabéns, espero conferir em breve.

    Beijos

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  2. Oi, Kevyn
    Não conhecia a série, deve ser legal misturar policiais com comédia.
    Vou dar uma olhadinha e os episódios são curtinhos se bobear assisti as temporadas numa sentada.
    Gostei de todos os temas que essa série aborda, e infelizmente todos sofremos com o machismo.
    Obrigada pela dica, beijos!

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  3. Comecei a assistir essa série num dia que não tinha nada pra fazer e simplesmente amei, viciei e apaixonei. Como você disse, não é mais do mesmo, o humor é legal e não somente besteirol, tem uma história por trás. Estou ansiosa pela nova temporada!!

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  4. Já vi tanta coisa legal dessa série que gostaria mesmo de ver alguma hora. Mesmo já tendo bastante temporada parece valer a pena por quebrar muitos padrões, fazer rir e divertir e ainda ter tanto personagem interessante e fora do que esperaria de uma série assim. Parece valer a pena mesmo. Adorei saber um pouco desses homens da série, as peculiaridades de cada personagem são bem diferentes do clichê que tinha imaginado quando vi falando pela primeira vez da série. Muito bom.

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  5. Olá Kevyn,
    Já disse que amo suas indicações? rs. Bem, nesse caso a série já estava na minha lista, pretendo aproveitar as férias para assistir. Tem várias cenas famosas que eu vivo vendo espalhadas pelas redes sociais, como uma em que o protagonista canta Backstreet Boys, e é comédia pura!
    Gostei ainda mais de saber como a série trabalha essa descaracterização da masculinidade, que anda bem tóxica por sinal...
    Quero ver logo!! 😁
    Beijos

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  6. Olá! Embora goste muito de séries policiais ainda não tive a oportunidade de conferir essa, gosto dessa mistura com a comédia, e que cada personagem tenha sua importância para o enredo da série, muito bom que eles fogem dos estereótipos mais comuns, e tenham comportamentos que buscam quebrar certos padrões.

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  7. Kevyn!
    Importante justamente uma série policial, mesmo que com pitada de humor, abordar a masculinidade tóxica. Temos visto muito e cada vez mais acontecer casos que afetam não apenas as mulheres, mas prinicpalmente os homens, por sofrerem dessa auto afirmação. Não estou justificando de forma alguma as atitudes que cometem, muito pelo contrário, eles devem ser tratados e mudarem seus pensamentos e necessidades.
    Deve ser boa série, vou dar uma olhada.
    cheirinhos
    Rudy

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  8. Oi, Kevyn!!
    Não lembro de já ter visto Brooklyn Nine-Nine no catalogo da Netflix, mas gostei demais da indicação da série, pois acho importante série como esses serem divulgadas e mais ainda elogiadas por fazerem um trabalho tão importante que é mostrar que o machismo não está com nada.
    Bjos

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  9. Uau, que série!
    Cheia de reflexões e representatividade!
    Gostei muito da sua crítica tão bem informativa.
    A masculinidade tóxica é algo terrível e é muito importante falarmos mais sobre, tendo uma série então, ajuda muito!
    Claro que assistirei!
    bjs

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Priscila, linguista de formação, doutoranda em Narratologia. Começou a ler um livro do Sidney Sheldon aos oito anos e nunca mais parou. Hoje, fez das Letras sua profissão.

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